Certa vez estava eu em São Petersburgo em 1.993 iniciando os meus estudos em regência no quarto do alojamento dos estudantes do Conservatório Rimski-korsakov: chorava.
Além das saudades óbvias dos meus queridos deixados aqui no Brasil, estava profundamente impactado pela Serenata para Cordas de Tchaikovski, que começava a estudar. Não havia atingido o nível ainda para tanto, mas para mim, não importava: a minha conexão com a obra e com o autor era tanta, que eu a dissecava avidamente, ao mesmo tempo que me debruçava sobre as obras que me eram recomendadas pelos professores.
Iúlius Blok, um tio-bisavô, foi amigo de Tchaikovski, e, em livro doméstico escrito por seu filho, pudemos conhecer algumas facetas a mais do autor, como a sua generosidade ao passar pela porta de um hotel onde um aluno festejava o casamento. O aluno pediu para que ele entrasse e tocasse uma música para eles dançassem. Sempre que tentava parar, alguém pedia e ele tocava mais uma peça. Piôtr Ílitch passou a noite inteira os entretendo. Conseguia se divertir junto aos seus estudantes.
Há também a narração de um fato mais conhecido de todos que era a enorme ojeriza que o grande compositor tinha do pódio. Só de pensar em reger, ele já tinha crises nervosas. Eventualmente precisou fazê-lo, e muitas vezes em detrimento de sua própria obra, já que o seu estado era tal, que influenciava completamente a qualidade da execução da peça.
Em outra parte, Walter Blok, o filho biógrafo de Iúlius, cita várias vezes aquela que foi possivelmente a maior amante de Tchaikovski, ainda que não se encontrassem: a Condessa von Meck, sua maior patrocinadora e que deixou de sê-lo repentinamente, marcando o músico de forma cabal.
Foi uma vida cheia de altos e baixos emocionais, embora, artisticamente, de franca produção e plenitude.
Mas por que essa obra teria me impactado tão profundamente a ponto de já a haver regido mais de uma vez desde então, e sempre emocionado? Porque ela nos revela as vicissitudes desse músico fantástico, deste homem feérico e genial, deste criador único, deste ser humano sofrido, tão profundamente melancólico, quanto majestoso.
O Pezzo em forma de sonata se inicia com um andante non tropo, que escancara imediatamente o grande teor emocional da obra. O allegro moderato que se segue é de uma beleza russa inconfundível.
Uma das especialidades de Tchaikovski são as valsas. Possivelmente uma reminiscência dos dias em que estava ao piano tocando com a sua mãe, seu amor correspondido mais genuíno.
O terceiro tempo é uma elegia. Não erro ao dizer que é uma das elegias de sentimento mais acachapante em todo o repertório musical. Suas dores estão explicitamente contidas em cada um dos acordes iniciais, como gemidos de dor ou até mesmo pedidos de socorro.
A obra se encerra com uma dança alegre de cunho folclórico que mostra ao mesmo tempo, a capacidade que ele tinha de isolar os sentimentos, de reviver as muitas festas das quais participou e os momentos de júbilo da vida, a maioria destes vividos através das próprias partituras que criou.